domingo, 25 de abril de 2010

Pelo direito de recomeçar

Estou andando, em linha reta. Já faz um certo tempo. O mesmo rumo, a mesma paisagem, a mesmice. Não que ela seja ruim, ou até fácil. Nós temos dificuldade em enfrentar o igual. Mas ela está lá, e a pequena estrada de tijolos dourados que Doroty percorre com seus sapatinhos vermelhos é uma via única. Quem me mandou vir por aqui? Alguém me colocou neste sentido e pareço nunca mais conseguir parar.

Chega. Quero sair. Quero usar sapatos azuis e não vermelhos, quero fazer curvas em vez de andar em linha reta, quero outra vista, outro vento, outra direção. Outro sol, outra lua, outro universo. Só quero conservar os mesmos olhos, para poder ver tudo na mesma perspectiva, a perspectiva de alguém que mudou.

Mudar não. Mudança é trocar de roupa, trocar de carro, trocar de namorado ou até de casa. Mudança é troca. Eu quero uma página em branco. Poder refazer as linhas diretivas da minha vida, mas com o último desenho, mesmo que inacabado, pendurado na parede
Recomeçar; de sapatinhos azuis, porque sou vaidosa. Estava tudo errado. A música estava riscada, a comida fria, os sonhos eram apenas enfeites.

Pelo direito de ouvir novos risos, novos sons, novos gritos de aflição, novos hinos de guerra, novos "Eu te amo", novos "Que horas são?", novos "Você está completamente maluca".
Pelo direito de comer novos ovos mexidos, novos sabores, novos beijos e novos venenos, novos sabores de você em meus lábios.
Pelo direito de sonhar de novo, sonhar de verdade. Sonhar com novos sonhos. Sonhar com o diferente. Viver sonhando e sonhar com que estou vivendo.

Pelo direito de recomeçar. Vou gritar até me ouvirem. Vamos juntos, na nova passeata da vida, nas novas perspectivas, nos novos sonhos, nos novos ovos mexidos.
Pelos sapatos azuis.
Contra o certo que não é errado mas que não é ideal.
Contra o medo do inviável.
Pelo infinito, pelo impossível.
Pelo novo sentido, pela sensibilidade dos loucos, e a normalidade do delírio.
Vamos. Nada de meia-volta no caminho de tijolinhos dourados. Meia-volta é mudança, não recomeço. Crie asas, e venha atrás de mim, até que o brilho do ouro do caminho antigo seja apenas mais uma estrela no céu do nosso novo universo.


2 comentários:

  1. Cara Senhora:
    Li seus textos - mesmo aquele em francês - e percebi uma mudança em seu modo de escrever. Está mais segura e mais expansiva. A mudança, no caso, refere-se ao que a senhora andara escrevendo por altura de agosto e setembro do ano anterior.
    Quanto ao gênero: você se aproxima daquilo que se denomina crônica. Geralmente cada unidade, distinta das outras pelo espaço e por título diferente, carrega uma reflexão que ultrapassa suas próprias fronteiras. Talvez, o que você esteja fazendo é algo como: eu me apresento, ou eu conheço o mundo (não porque saiba como ele é, mas estou no processo de fazê-lo, e assim, o presente assume seu aspecto mais indefinido e próximo do gerúndio possível).
    Seu padrão de linguagem melhorou. Embora haja às vezes um excesso de expansão (expansão, no caso, imagem retórica em que um mesmo conteúdo passa a ser retrabalhado com outros elementos implicados pela primeira ocorrência da imagem), tal artifício está longe de se tornar rotineiro. Há algo de positivo e de uma atitude peremptória de quem assume a vida e todas as implicações que ela contém.
    Muito boa sorte e continue escrevendo, que você é talentosa.
    SP 29 de Abril de 2010.
    Marcos.

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